domingo, 20 de setembro de 2009

Uma falsa princesa

Ela estava lá de novo, os cabelos negros e lisos balançavam com o seu andar, os olhos azuis encantadores e o sorriso que me tirava o fôlego. Ah, o sorriso! Foi sempre ele que me fez sonhar com ela, desde o primeiro ano de escola juntos, aos quatro anos de idade.

Logo atrás dela estacionava um carro conversível vermelho, e ela sorria para o motorista como se ele fosse a essência da felicidade para ela, e isso sempre me dava uma pontinha de ciúmes. Léo, assim era conhecido o alemão todo arrumadinho, e dono do carrão.

Assumo que era um belo carro, e também que Léo era um cara boa pinta, pelo menos ele fazia um sucessão com as meninas da escola, o que eu nunca consegui fazer em dez anos estudando lá. Só que eu sempre acreditei que isso era fruto da grande quantidade de notas em sua conta bancaria, afinal, as meninas não tinham nem trocado algumas palavras com ele e já mandavam declarações de amor.

Ela era diferente, ela não corria atrás dele, não ficava se declarando ou fingindo estar passando mal na educação física só para ser carregada, o caso era contrário, ele que a perseguia. Claro, ela retribuía as investidas dele!

Eu sabia que ela nunca ia dar bola pra mim, um menino magricela, desengonçado e com óculos fundo de garrafa. Uma princesa como ela não merecia alguém assim, isso só aconteceria em contos de fadas, e eu era um pouco inteligente pra saber, aos dezessete anos, que os contos de fadas não eram reais. Mas os sonhos eram mais fortes que eu, e sempre que estava detraído, me pegava pensando nela.

Acontece que estudávamos na mesma sala havia treze anos, e ela passava do meu lado sem ao menos me cumprimentar, acredito que nunca tinha dirigido a palavra a mim, a não ser pra pedir licença nas vezes que eu parava fascinado em sua frente e acabava impedindo a passagem. Justamente por isso as minhas esperanças de um romance eram inexistentes, porem os sentimentos persistiam.

Assim que o alemão desceu do carro foi abraça-la, e acredito que a cena que se seguiu foi a mais dolorida de ver em toda a minha vida, ele beijou ela. Aquela boca rosada, do sorriso lindo, sendo beijada por aquele riquinho, filhinho de papai, que sabe-se lá quantas garotas tinha beijado na noite anterior.

A minha vontade era de ir separar os dois, quebrar a cara dele. O que ele pensava que estava fazendo? Ela era minha, a minha princesa; o meu sorriso, ele estava destruindo tudo, todas as minhas tardes de planejamento de como chegar nela, todos os meus sonhos de treze anos.

Eu sempre tinha sido um bobo na vida, não tinha coragem de fazer nada, e me surpreendi naquele momento, porque as minhas pernas estavam caminhando, estava indo em direção ao casal se beijando; iam apressadas, como se eu estivesse atrasado para algo, meu coração parecia que ia sair pela boca. Eu estava correndo! Eu não tinha costume de fazer isso, a não ser para pegar o ônibus quando me atrasava.

Cheguei diante deles e a minha voz saiu alta, forte, como se quisesse que a escola toda ouvisse:

- O que você esta fazendo com ela seu otário?

Era tarde demais, eu não tinha como reparar o que tinha acabado de fazer, e minhas pernas estavam cansadas para correr, o jeito era ficar e agüentar as conseqüências. E eles continuaram o beijo, como se eu não estivesse falando com ele. E outra atitude inesperada me assustou; coloquei a mão no braço dele tentando puxá-lo e repeti a mesma frase, só que com uma raiva maior.

Eu sei que senti o peso da mão dele no meu maxilar e o gosto do sangue da minha boca, e isso não me doía nada perto do olhar que ela me lançou.

- Você é louco garoto? Quem você pensa que é pra chamar o meu namorado de otário e querer separar a gente? – e saiu pisando firme.

A única coisa que consegui fazer foi resmungar que eu estava tentando protegê-la, e ela riu sarcasticamente, se eu pudesse também tinha o feito, já que não sabia exatamente o porque esta proteção, sabia da existência do ciúme, que cada vez me deixava com maior descontrole.

Meus colegas ajudaram-me a levantar, segurando o riso para que eu não ficasse chateado com eles, apesar de que eu tinha a plena consciência do papelão que tinha feito na frente da escola toda.

O jeito foi abaixar a cabeça e me acostumar com os beijos e carinhos entre eles, o que era comum entre namorados; e tentar controlar os meus ataques de raiva, porque meu maxilar ainda não estava curado. Segundo o médico, outro soco daquele me levaria para a sala de cirurgia, e eu fugia de agulhas.

Eu sei que o tempo foi passando, e o sorriso dela não sumia do rosto quando estava com ele. Comemoraram um mês, dois meses, três meses de namoro. Na comemoração do quarto mês ele levou-a na pizzaria do meu tio, e por sinal eu estava dando uma ajudinha no dia e tive que servir a mesa deles, foi um constrangimento total. O pior foi olhar para a mão dela, e ver a enorme aliança prateada que tinha acabado de ganhar. Eu nunca conseguiria presenteá-la com algo parecido.

Depois do quinto mês de namoro o clima parecia ter esfriado entre o casal, eles não ficavam grudados na hora do intervalo, ela ia embora com as amigas de ônibus e ele sozinho de carro. A curiosidade me consumia, e a felicidade só de imaginar que poderia estar chegando o final do relacionamento deles também.

Em uma segunda feira Léo faltou da escola, eu estava sentado na arquibancada da quadra assistindo o jogo dos meninos da sala quando ela sentou ao meu lado.

- Oi Tomas.

Ela sabia o meu nome! A minha felicidade foi enorme, o coração acelerou, eu ouvi sinos e vi fogos de artifícios pelo céu. Demorei alguns segundos para me controlar e conseguir responder um pouco tímido, então ela começou a conversar comigo.

- Me desculpe aquela vez que te chamei de otário quando você tentou separar eu e o Léo.

- Te desculpar? Não tenho motivos, você estava correta.

- Não, eu não estava. Ele é mesmo um otário e você conseguiu enxergar isso, se eu tivesse te ouvido teria me dado melhor na vida.

De repente olhei pra sua mão direita e a aliança de compromisso não estava mais lá.

- O que aconteceu com vocês? – foi uma pergunta indiscreta é claro, e também surpreendente, eu nunca pensei que conseguiria fazê-la e acho que ela pensou o mesmo.

- Sabe Tomas, eu sei que você é de confiança e eu preciso muito desabafar com alguém. Acontece que eu quis fazer as vontades dele, agradá-lo, e acabei ferrando a minha vida. Eu estou grávida.

Ela estava grávida. Era jovem, linda, e estava grávida. Criança é sempre uma benção, mas não creio que seria para ela, em pleno ano de vestibular, ainda mais que ela lutava tanto para se formar em medicina.

Eu não tinha o que falar, somente abaixei a cabeça e continuei ouvindo. Enquanto ela falava, as imagens desde a nossa infância passavam pela minha cabeça como um filme.

- Eu fiz um teste de farmácia sábado, deu positivo. Fui contar para ele e não tinha ninguém na casa dele. Voltei no domingo e o pai dele me disse que ele foi pra Minas Gerais, decidiu que queria morar no campo, tinha cansado da vida urbana. Eu sei que é mentira, ele fugiu de mim, fugiu da responsabilidade de pai. E o que eu faço? Como eu conto pra minha mãe Tomas? Meu filho precisa de um pai.

" Então Tom, posso chamar assim não posso? Sei que você até prefere ser chamado assim. Eu já percebi que você da uns olhares diferentes em minha direção, que demonstra um certo afeto por mim, e eu acho você um cara interessante."

Ela me achava um cara interessante? Desde quando ela achava isso? Eu ate olhei no calendário do celular pra confirmar que não era primeiro de abril, e já estava longe, era quatro de setembro.

- Você é aplicado, estudioso – continuava – parece ser bem carinhoso também. Eu estava pensando se...

Parou nesta parte e ficou admirando o teto da quadra, eu a cutuquei e ela voltou a realidade; os olhos marejados de lagrimas e as faces rosadas, como se o que ia dizer fosse constrangedor.

- Bom, estava pensando se a gente não podia tentar namorar. É sabe, minha mãe admira você e eu também, e você me ama. Poderia dar certo não acha?

Qualquer pessoa do mundo que conhecesse os meus sentimentos imaginaria que minha resposta seria um sim e um beijo bem demorado naquela boca rosada de sorriso lindo. Só que a falsidade nas palavras dela, os pensamentos dela, me fizeram ter nojo da pessoa que ela era. Há treze anos eu a amava, e agora, quando a vida dela estava ferrada eu servia para alguma coisa. E pela ultima vez eu me espantei comigo mesmo, porque depois daquela resposta nada mais era assustador na minha vida.

- Não, eu não acho que poderia dar certo. Saiba que eu não amo você e tenho pena desta criança que vai nascer. Agradeço sua admiração e da sua mãe. Com licença que eu preciso estudar.

Deixei-a na arquibancada chorando, mas eu não era otário a ponto de sustentar uma criança que não era minha e não ter o amor verdadeiro daquela menina. Depois daquele dia ela não voltou na escola, a casa foi vendida e a família se mudou; eu perdi o medo e a vergonha, deixei de ser um bobo e consegui realizar muitas coisas importantes. E percebi que ela nunca tinha sido uma princesa, na verdade eu havia criado uma em meus pensamentos.

3 comentários:

  1. por isso que eu não sou uma princesa xD
    uhauhahuahuaauha
    adoreiii !!

    Bjooo MArii

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  2. Amorr...o texto eh grandee mas me prendeoo!

    *-*

    Cada vez melhor...
    Beijoss Amo vc!

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