quarta-feira, 27 de outubro de 2010

Inúteis

Toda noite os caminhões de lixo deixavam a cidade e dirigiam-se à um aterro distante e isolado. O percurso demorava cerca de uma hora, os motoristas iam atentos na estrada, um acidente poderia causar uma sujeira enorme.
Aproximadamente onze caminhões deixavam a cidade naquele dia, carregavam lixo de todo tipo: orgânico, reciclável, entulhos. Todas as coisas inúteis tinham o aterro como destino.
Dentro de uma das carrocerias, alguns lixos conversavam entre si, para passar o tempo da viagem:
- Nunca pensei que iria parar aqui!
- Eu também não - respondeu outro lixo
- Estamos em muitos aqui dentro? - perguntou uma voz ao fundo
- Não sei, está escuro, não enxergo muito bem - respondeu outro ao longe
- Faz assim, cada um fala seu nome, e contamos em quanto estamos.
- Luíz
- João
- Pedro
- Diná
- Joaquim
- Ramon
- Joana
- Mais alguém? - perguntou João, que tinha iniciado a conversa.
O silêncio se instalou no ambiente, se ouvia apenas os sons dos motores e do atrito dos pneus com o asfalto.
- Então, somos sete. - Concluiu João.
- Não, somos oito - disse uma voz infantil - Gabriel! Me chamo Gabriel!
- Quantos anos você tem menino? Não é muito novo para ser descartado assim? - Indagou Joana
- Tenho oito anos dona. Mas eu era um peso pra minha mãe, então ela me descartou. Alguém pode falar pra onde a gente vai?
Silêncio outra vez.
Todos que lá estavam, menos o garoto, sabiam que não iam à lugar algum, que se tivessem sorte conseguiriam continuar vivos. Mas assim era o programa do governo para acabar com os moradores de rua, os doentes, as pessoas invalidas e inúteis à sociedade.
Ninguém teve coragem de explicar isso para Gabriel.
Os caminhões estacionaram, os lixos se retiraram ou foram retirados. Esteiras rolavam por todos os lados, martelos, pregos, lâminas, fogo, areias e pedras.
Os homens guiavam os lixos para uma sala fechada, a cena lembrava os filmes nazista que mostravam os judeus indo para as câmeras de gás, porém, era 2056, mais de 100 anos pós segunda-guerra. E agora essa prática era bem-vista por todos os países, era considerada uma prática para garantir a sustentabilidade e o nível de vida da população.
Gabriel não entendia de política, não conhecia o nazismo, não sabia de quase nada. Seus oito anos de vida não lhe proporcionaram muito conhecimento. A única coisa que ele sabia, era que naquele momento a sua cabeça começara a doer, a vista embaçava, não conseguia respirar, parecia que alguém apertava seus pulmões e tirava a força de suas pernas.

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