sábado, 26 de junho de 2010

Apito do trem

Acordo com o apito do trem. Ele apita, passa, solta fumaça, faz barulho nos trilhos. Ele leva embora o meu sono e traz a tristeza. É a sétima madrugada consecutiva que eu acordo com o trem e depois não consigo mais dormir. Olho o meu quarto, tudo tão diferente, talvez até pequeno. A única coisa familiar no meu próprio quarto são as fotos penduradas em um mural na parede, e através dos poucos raios de sol que entram pela janela, eu começo a distinguir as silhuetas e afeições das pessoas nas fotos, e todas elas sorriem. Não sei se sorriem para mim, de mim ou se minha cabeça as faz sorrir.

O trem para de apitar, o barulho sumiu, mas não a minha tristeza.

Piso no chão frio e abro a porta do quarto, encaro cores e formas diferentes. Há uma semana eu abria a porta do meu quarto aos domingos e via mamãe na cama dela lendo jornal, ou conversando com papai, ou mesmo a cama vazia, mas eu sabia que eles estavam lá, ou no máximo estavam na feira e voltariam. Eu ouvia a televisão ligada a voz insuportável do Galvão Bueno falando do Rubens Barrichelo, e sentia o cheirinho do macarrão da minha mãe ou até mesmo do meu irmão.

Nesse momento a televisão está desligada, na minha frente tem uma geladeira, uma mesa e um armário, a cozinha não cheira macarrão, não há nada no fogão, se eu quiser comer, eu vou ter que cozinhar.

Outro trem apita, demora pra passar, vai passando e apitando, faz barulho de atrito entre metais e solta fumaça. E passa!

Volto para cama, deito a cabeça no travesseiro e deixo as lágrimas molharem minha face. Para onde vai o trem? Será que passa perto de casa? Ou vai além? Talvez eu pudesse ir com ele, ver mamãe e papai, abraçar os amigos, me declarar para o amor. Talvez eu pudesse pelo menos ir para um lugar conhecido ou ele poderia levar a minha tristeza, só que o trem já se foi.

Abraço meu travesseiro contra o peito, puxo o cobertor e fico lembrando dos sons da minha casa, do cheiro da minha casa, dos meus domingos em família ou assistindo jogo do Timão com o meu irmão. Adormeço.

E o trem passa! O trem apita, solta fumaça! Faz barulho, range ferro. E me acorda.

Esse é o som da minha casa agora, essas são as cores e os cheiros dos meus domingos.

Embalada pelo apito do trem eu começo o meu domingo, sem ninguém.

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