quarta-feira, 17 de novembro de 2010

Resenha: Um apagão na humanidade.

NETO, Mariana Asbahr¹

PAIVA, Marcelo Rubens. Blecaute. São Paulo: Mandarim, 1997.


Marcelo Rubens Paiva, jornalista, romancista e dramaturgo, surgiu como um grande ícone da literatura nacional no ano de 1982, com a publicação do seu primeiro romance, o livro autobiográfico Feliz Ano Velho, best-seller da época e com o qual ganhou o prêmio Jabuti . Escreveu mais sete romances e atualmente dedica-se ao teatro.

Blecaute é o segundo livro do autor, publicado em 1986, e considerado um romance apocalíptico. A história é narrada em primeira pessoa pelo protagonista Rindu, que, perturbado por todos os acontecimentos de sua vida e questionando a sua existência, conta, desde o princípio, os fatos que ocorreram para gerar tais sentimentos. E, certas vezes, tem alguns flashbacks de sua infância ou juventude, que explicam melhor os fatos atuais, a sua maneira de agir e relacionar-se.

O tema central da obra, ao contrário do que se imagina quando o título é lido, não é a falta de energia elétrica, e sim o fim do mundo, um “apagão” na humanidade. Outros assuntos também são abordados, como a necessidade de comunicação, de relacionamentos afetivos e sexuais, de ocupação mental e de convívio social.

A narrativa conta a história de Rindu e seus amigos, Mário e Martina, que após uma palestra de Espeleologia, a ciência que estuda as cavernas, decidem montar um grupo para realizar estudos sobre o assunto, e, em um feriado prolongado, resolvem colocar os estudos em prática e vão para Betari, uma região cheia de cavernas no Vale do Ribeira. Enquanto cochilavam dentro de uma das cavernas, o nível da água do riacho que por lá passava subiu, deixando-os presos por aproximadamente três dias. Quando, finalmente, saem da caverna, encontram a cidade totalmente diferente: os carros parados no meio das estradas e acostamentos, as pessoas imóveis, duras, como se estivessem cobertas por uma camada de plástico, era o fim do mundo. Os únicos sobreviventes são eles e os animais.

E com isso, os três amigos começam a tentar descobrir o que aconteceu e a sobreviver em um mundo onde não tem mais obrigações, convívios sociais e ocupações.

Isso, a principio, é visto como benéfico, pois eles têm total liberdade, porém, com o passar dos meses, a rotina, o tédio e a necessidade de uma vida social começam afetar o humor e a mente deles, causando os desentendimentos e até os a ruptura dos laços afetivos.

Os relatos são divididos em seis capítulos, o primeiro, denominado “Principio”, introduz o leitor na história, contando como começou o estudo da Espeleologia, e a descoberta do “fim do mundo” quando saíram da caverna. Os quatro capítulos seguintes recebem os nomes das estações do ano, começando pelo Outono, seguido de Inverno, Primavera e Verão, que dão ao leitor a percepção do tempo decorrido na história, que é de um ano, e onde são colocados os acontecimentos e as dificuldades da vida dos três amigos, perante um mundo “plastificado”. E por fim, o ultimo capítulo é nomeado “Uma distante estação”, onde o narrador conta como está sua vida e o que resta do mundo, passado muitos anos desde o dia em que saíram da caverna. Essa denominação mostra, também, a inexistência de noção de tempo do protagonista por causa da solidão e da falta de necessidade de contar tal tempo, já que ele não denomina quantos meses ou anos passaram-se ou qual a estação que se encontra, apenas diz que está em uma estação distante.

O número de páginas dos capítulos é totalmente variável, tendo entre 12 e 54 páginas; porém o texto é bem disposto na página, o tamanho da fonte e o espaçamento entre linhas favorecem a leitura, principalmente o maior espaçamento entre as linhas nas quais o narrador muda totalmente o foco da narração.

A mudança do foco narrativo é uma característica presente do começo ao final do livro. Rindu deixa várias lacunas em suas narrações, normalmente não dá seguimento às narrativas das discussões entre os três amigos, e frequentemente acelera a narração, parando-a em um ponto e retomando-a após acontecimentos futuros. Essas lacunas permitem ao leitor uma maior interatividade com o texto, a ponto de poder tirar suas próprias conclusões, de imaginar e exercitar a sua capacidade de interpretação do que pode ter acontecido durante as horas que não são narradas, ou, até mesmo, demonstra a falta de atividades e de movimentação de uma vida a três, sem obrigações e deveres, já que o mundo está parado.

A linguagem utilizada também permite uma maior proximidade do leitor com o narrador, uma vez que este usa uma linguagem coloquial, com expressões da oralidade e gírias, e faz a narrativa parecer um verdadeiro diálogo com quem está a ler. Outra particularidade da linguagem é o constante emprego de “palavrões”, que são muito bem empregados para expressar a raiva e o transtorno mental dos personagens frente às dificuldades que encontram, o que não torna a linguagem pobre ou desvaloriza o livro.

Blecaute se aproxima por completo do mundo dos jovens, o que é um ponto favorável, já que os incentiva a leitura. Consegue provocar no leitor uma reflexão sobre a vida, a valorização do ser humano e do convívio social, sem discursos moralistas ou ideológicos. E mostra, assim como Machado de Assis em sua obra Dom Casmurro, que um livro não precisa ter todos os mistérios solucionados e um final feliz para ser um bom livro.


____________________________________________________________

1-Estudante do primeiro ano do curso de Letras da UNESP, campus de Assis – São Paulo