terça-feira, 27 de julho de 2010

Um celular começou tocar, a mulher sentada ao meu lado abriu a bolsa e começou a procurar o aparelho dentro dela, tirou então um pequeno telefone móvel e levou-o até a orelha. Atendeu normalmente, com uma expressão alegre. Aos poucos seu corpo foi ficando tenso, a expressão do rosto mudou de feliz e calma, para apavorada, preocupada, brava e raivosa, era um misto de expressões desagradáveis e a voz rouca.

Era possível, do meu assento, ouvir que do outro lado do aparelho uma voz despejava informações em uma velocidade assustadora, aparentemente uma voz feminina, que gritava e choramingava ao mesmo tempo.

A mulher respirou fundo, fechou os olhos, respirou novamente e tornou a abri-los. E decidiu jogar o problema para outra pessoa.

- Liga para o seu pai! – e a pessoa do outro lado continuou a despejar informações, reclamações e choros – Eu já disse, liga para o seu pai. Acabei de entrar no ônibus, to indo pra casa, liga para o seu pai que ele resolve – mas a voz insistia em querer que ela resolvesse – Tudo bem, então eu ligo para o seu pai e mando ele ligar aí.

Antes que continuasse o despejo de palavras, ela desligou seu celular. Começou a bater o pé apressadamente no assoalho do ônibus e movimentou os dedos rapidamente pelas teclas de seu aparelho, e então uma voz masculina surgiu do outro lado.

- Álvaro liga em casa agora, é urgente, tem um problema lá. – e aparentemente o homem queria saber qual era o problema – eu to no ônibus Álvaro, liga lá agora. AGORA! É urgente! Liga lá.

Ela desligou novamente o seu aparelho e começou a tamborilar seus dedos da mão sobre ele enquanto agitava freneticamente o pé. Alguns minutos passados, ela começou a digitar outro número.

- Depois a gente conversa Welington, chama a Daiane. Cadê a Daiane? Welington?

O pânico tomou conta de sua expressão, senti até pena dela, uma vontade de oferecer um ombro amigo, embora nem conhecesse a mulher. Na verdade, era mais curiosidade em saber o que se passava, do que pena.

No decorrer do tempo que ela ainda permaneceu sentada ao meu lado, olhava o relógio várias e várias vezes e tentava fazer ligações, porém sem sucesso. Percebi que uma lágrima começou a querer escorrer de seus olhos, e ela enxugou-a com a manga da blusa antes que caísse pela face.

Desceu do ônibus alguns minutos depois, apressadamente, desesperadamente.

Passei o resto da noite com a imagem daquela mulher na cabeça e a curiosidade que me consumia.

No dia seguinte abri o jornal, e uma notícia trágica estampava uma das páginas:

BRIGA ENTRE IRMÃOS ACABA EM MORTE

No corpo da matéria contava como o adolescente Welington havia matado a irmã Daiane com socos e pontapés depois de iniciarem uma briga em casa, enquanto seus pais, Marlene e Álvaro, trabalhavam.

Fechei o jornal. Preferia ter ficado com a curiosidade.